
Foto: Divulgação
A sociedade nem sempre seguirá rumo ao progresso. O Brasil, por exemplo, que foi violentamente colonizado e com o território tomado por uma nação europeia que trouxe estrangeiros africanos para submetê-los a um regime escravocrata, ainda possui raízes profundas dessa época sombria e tenebrosa.
Escreveu Joaquim Nabuco, em seu livro Minha Formação, uma brilhante e atemporal sentença: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Previu o abolicionista, filho da Casa Grande, que mesmo com a proibição do trabalho escravo, os brasileiros e filhos do povo ainda iriam sofrer com a herança escravista, que se revela até num simples anúncio para estágio, no caso particular, na área do Direito.
A vaga de estágio em questão é na capital de Alagoas, Maceió. Conforme o próprio anúncio, o pré-requisito da vaga é ser do gênero MASCULINO – ou seja, mulher está fora, não serve. O horário é de 09:00 às 16:00, excedendo, portanto, o previsto na Lei de Estágio, incompatível com o inciso II do artigo 10, que prevê um máximo de 06 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais.
A bolsa anunciada é no valor de R$700,00 + Vale Transporte de R$100,00 e com apólice de seguro, conforme determina a legislação. O valor em si é compatível com a média das propostas de mercado, outro reflexo da miséria em que vivemos e do desprezo dos escritórios jurídicos para com seus colaboradores. Há escritórios jurídicos, ainda, que omitem o valor da bolsa auxílio nos anúncios, para pegar o estudante de surpresa com uma proposta irrisória, ainda menor do que a demonstrada.
Os pré-requisitos do anúncio são: conhecimento do pacote office, português afiado, pontualidade, organização, responsabilidade e conhecimento em Inteligência Artificial. Ora, se o candidato soubesse sobre IA, com certeza o Chat GPT o recomendaria a recusar tal proposta.
Além da indecência da proposta em geral, vem aí o toque final do anúncio: a vaga é exclusiva para estudantes do sexo masculino. Por qual razão as mulheres não são bem-vindas? Que tipo de instituição, escritório ou espelunca seria tão indecoroso ao exigir que somente homens poderiam ser contratados?
O anunciante talvez não tenha noção da sua maldade, não é que seja uma pessoa maldosa, mas tão somente insciente da sua truculência, e o estudante que aceitar essa proposta, nessas condições vexatórias, é insciente da própria subserviência, e portanto, se submete a essa vergonha.
Infelizmente vivemos tempos em que a desigualdade social e a má distribuição de renda foram normalizadas, e que um escritório com rendimentos superiores a R$1 milhão por ano se preste ao papel de pagar menos de meio salário mínimo a um estagiário, que por muitas vezes exerce suas funções com excelência e contribui bastante com o contratante.
Este anúncio indecente é apenas um reflexo da sociedade em que vivemos, e esperamos que o responsável por esta vergonha retire-o do ar. Não é possível que um escritório ou empresa possa vir a público ofertar essa proposta aos estudantes. Em órgãos públicos, a exemplo da Defensoria Pública Estadual (DPE) e do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), a bolsa é no valor de um salário mínimo, respeitando os limites da frágil Lei de Estágio.
Estes são apenas alguns reflexos do Congresso Nacional truculento e vergonhoso que temos, que permite que situações como essas aconteçam, não estabelecendo um piso para a bolsa do estagiário, seja lá qual for a área de atuação, e nem impondo limites aos contratantes. A tendência de fragilização dos direitos trabalhistas, a negação de direitos à população assalariada influenciam diretamente nas relações de trabalho e, como podemos perceber, também, de estágio, cuja legislação está atrasada.
Por Caio Hanry Abreu – Acadêmico de Direito (Colaborador)
Este texto reflete a opinião do autor.
Deixe um comentário