
Foto de Hani Alshaer/Anadolu Agency via Getty Images
Os ataques, inesperados e inexplicáveis, feitos pelo Hamás à Israel no sábado (7), uma milícia privada, sunita, de origem palestina, chocaram o mundo em razão do poder de fogo e, principalmente, pela covardia ao ignorar os civis na fronteira com a Faixa de Gaza, uma região dominada pelos terroristas palestinos que é isolada por Egito e Israel.
A atividade brutal dos terroristas, ao que tudo indica, foi previamente planejada e preparada para penetrar o “Domo de Ferro”, o sistema de defesa israelita que intercepta e destrói mísseis, altamente tecnológico. Estima-se que esse sistema interceptou mais de 2.500 mísseis entre o início dos ataques até a data de publicação desta matéria. No entanto, o sistema não foi eficaz o suficiente para conter os ataques feitos pelo Hamás, e o principal jornal de Israel (Haaretz) questiona se o primeiro ministro e as autoridades responsáveis pela segurança estariam “dormindo no volante”.
Benjamin Netanyahu, que vem defendendo uma política autocrata ao tentar minar o poder judiciário do país e caminhando a passos largos para sangrar a democracia israelense, dividiu a população ao propor suas ideias, aliando-se a políticos que criticam alas do próprio exército.
No entanto, o primeiro ministro se esqueceu que o principal inimigo não está dentro do país, como imaginou; está dividindo a fronteira e recebendo apoio de outros grupos terroristas, como o Hezbollah – grupo terrorista apoiado pela Irã, do sul do Líbano e de origem xiita. Antes dos ataques proferidos pelo Hamás, Netanyahu estava sofrendo uma grande pressão da população israelense por atacar quase que diariamente o judiciário. Vale lembrar o exemplo recente de Hugo Chávez na América do Sul, quando o Congresso Nacional ganhou a atribuição de revisar e anular as decisões proferidas pela Suprema Corte da Venezuela.
Após os ataques, o primeiro ministro de Israel foi duramente criticado pelo povo israelense e pelos periódicos locais. Um artigo publicado por um jornalista judeu bastante reconhecido por sua imparcialidade, Thomas Friedman, alertou que Israel está sendo prejudicada pelo fanatismo político. Nas palavras de Friedman:
“Como esta coluna tem assinalado, desde que regressou ao poder, a política de divisão de Netanyahu causou danos terríveis a Israel. Bibi deu prioridade a um golpe judicial para retirar do Supremo Tribunal de Israel o poder de supervisionar o seu governo – acima de todas as outras prioridades. Nesse processo, dividiu a sociedade Israelense e as suas Forças Armadas.
E há meses que as pessoas têm alertado para o perigo que isto pode representar. Ainda nesta semana, citei um antigo diretor-geral do Ministério da Defesa israelense, Dan Harel, que disse num comício democrático em Tel-Aviv que nunca viu ‘a nossa segurança nacional num estado pior’ e que já houve danos nas unidades de reserva de formações essenciais das Forças de Defesa de Israel, ‘o que reduziu a prontidão e a capacidade operacional'”.
Não foi oportunismo de Friedman produzir o brilhante artigo publicado pelo New York Times, pois este alertava em Março sobre as consequências das sandices de Netanyahu:
“Israel hoje é uma caldeira com vapor demais se acumulando em seu interior, e os parafusos que a mantém unida estão prestes a sair voando em todas as direções. Ataques letais de jovens palestinos contra israelenses estão coincidindo com a ampliação de assentamentos israelenses e com o incêndio de vilas palestinas por colonos israelenses, além de um levante popular para resistir ao golpe de Benjamin Netanyahu contra o judiciário. Juntos, esses fatores ameaçam provocar uma ruptura de governança que nunca antes foi vista em Israel. (…) A violência entre colonos israelenses e palestinos não constitui novidade. Mas quando ela coincide com o governo mais ultranacionalista e ultraortodoxo da história de Israel – que hoje é impulsionado por fanáticos religiosos messiânicos cuja meta é anexar a Cisjordânia inteira e que agora controlam pastas-chave, os tradicionais ministros israelenses prudentes que normalmente não permitiriam que atos desse tipo fossem adiante deram lugar a ministros que querem acabar com quaisquer limites”.
Ainda há dúvidas sobre a motivação dos ataques realizados pelo Hamás. A suspeita é de que o Hamás tenta prejudicar o acordo feito entre Israel e outros países do mundo árabe, como Marrocos, Bahrein e Arábia Saudita, alianças que beneficiariam Israel e até a população palestina residente na Cisjordânia, porém, totalmente prejudicial à Irã. Daí a suspeita do financiamento iraniano ao Hamás e a curiosa aliança entre um grupo terrorista sunita (Hamás) a um xiita (Hezbollah).

É preciso frequentar novamente as aulas de história para entender o conflito religioso na região, que já foi predominantemente dominada pela Palestina. Até 1918, a região da Palestina pertencia ao Império Otomano e era ocupada por árabes e outras comunidades muçulmanas. Mas a notável imigração judaica, encorajada pelas aspirações sionistas, começava a gerar resistência. Após o fim do Império Otomano na 1ª Guerra Mundial, o Reino Unido recebeu um mandato da Liga das Nações para administrar o território da Palestina. No entanto, dividiu o Oriente Médio com a França, que causou um clima de tensão entre nacionalistas árabes e sionistas que levou a confrontos entre paramilitares judeus e grupos árabes.
Após o fim da 2ª Guerra Mundial, cresceu a pressão internacional para a formalização do Estado de Israel, principalmente em razão do Holocausto. O governo britânico admitiu sua incompetência para resolver a polarização entre o nacionalismo árabe e o sionismo, e levou a questão à recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU). No final de 1947, a Assembleia Geral aprovou um plano para a divisão da Palestina, que recomendava a criação de um Estado árabe independente, de um Estado judeu e de um regime especial para a cidade de Jerusalém. O plano foi aceito pelos israelenses, mas não pelos árabes, pois sofreriam uma perda considerável de território.
No dia seguinte a fundação de Israel, que se deu em 14 de maio de 1948, a Jordânia, a Síria e o Iraque invadiram o território recém-criado. Foi a primeira guerra árabe-israelense, também conhecida como a guerra da libertação, que só encerrou após a assinatura de um armistício em 7 de janeiro de 1949.

Após o conflito, o território planejado pela ONU para estabelecer um Estado Árabe foi reduzido pela metade. Cerca de 750 mil palestinos fugiram para países vizinhos ou foram expulsos por tropas israelenses.

Em 1956, Israel e Egito entraram num conflito após uma crise no Canal de Suez. Com o apoio de França e Inglaterra, Israel invadiu a península do Sinai, mas sofreu uma pressão internacional para recuar. Em 1967, entre 5 e 10 de junho aconteceu a Guerra dos Seis Dias, onde Israel obteve uma vitória esmagadora sobre uma coligação árabe. Israel capturou a Faixa de Gaza e a Península do Sinai do Egito, a Cisjordânia da Jordânia e as Colinas de Golã da Síria. Meio milhão de palestinos viraram refugiados.

O último conflito árabe-israelense foi a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Após a guerra, os egípcios recuperaram Sinai, no entanto, Gaza seguiu sob controle israelense. Seis anos depois, o Egito foi o primeiro país a assinar um tratado de paz com Israel, exemplo posteriormente seguido pela Jordânia. Em 1982, Israel devolveu completamente o Sinai ao Egito.
Atualmente, Israel só tem fronteiras definidas com o Egito e a Jordânia, pois o Líbano ainda não selou um tratado de paz para definir sua fronteira. Além do Líbano, a fronteira de Israel com a Síria também permanece indefinida: a ONU considera as Colinas de Golã “território ocupado” por Israel, enquanto os israelenses as veem como “território em disputa”.

A região da Cisjordânia, como citado alhures no artigo de Thomas Friedman, vem sendo minada pelos israelenses e teve seu acirramento no governo de Benjamin Netanyahu ao colonizar a região e expulsar os palestinos, proibindo a convivência comum entre ambas as nações. Os palestinos que vivem sob o governo da Autoridade Palestina, na Cisjordânia, são contra a guerra e não aceitam que o Hamás exerça qualquer política na região, realidade que é diferente na Faixa de Gaza.
OPINIÃO
O principal erro da ONU após a 2ª Guerra foi ignorar os palestinos e colocar a questão como “resolvida”. Como a defesa de uma nação — coagida pelo terrorismo de várias partes, seja este o de Estado promovido por Israel, ou o miliciano promovido pelo Hamás — não é objeto de interesse pelas grandes potências (o que deveria ser da ONU, ao menos, por se tratar de uma organização que prega a paz), os palestinos foram abandonados e esquecidos.
Com isso, cresceu a pregação do Jihad, uma visão radical da luta pelo Islamismo — vale destacar um artigo no Estatuto do Hamás, que visa a destruição completa do Estado de Israel. A solução por dois Estados, defendida por Rússia, China, Brasil e a esmagadora maioria dos países, parece ser uma voz calma e sensata em meio ao radicalismo que promove a guerra e a consequente (e inconsequente) morte de milhares de inocentes, que em nada tem a ver com o terrorismo praticado pelo Hamás.
É importante frizar que os ataques realizados foram inéditos, um poder de fogo jamais visto para uma milícia que não tem o tamanho e a força de um Estado, como Israel. Várias perguntas devem ser feitas, mas em meio a guerra, a vida de crianças e pessoas inocentes merecem ser preservadas e um corredor humanitário deve ser feito para a evacuação das pessoas em Gaza.
Por óbvio, o Hamás é contrário a essa medida, pois utilizam-se da tática do “escudo humano” — um crime de guerra, porém, bastante eficaz para evitar o avanço das tropas inimigas. Caso o corredor humanitário fosse concretizado, em benefício a milhões de pessoas que vivem em Gaza, a região seria tomada novamente por Israel. Para onde iriam os milhões de palestinos? Cenas dos próximos capítulos.
Na guerra, antes dos inocentes, a primeira vítima é a razão. E pasmem, numa guerra santa onde não há santos, os inocentes, tão defendidos por Jesus Cristo, estão em segundo plano.
Por Caio Hanry Abreu – Acadêmico de Direito (Colaborador)
Este texto reflete a opinião do autor.
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